Segundo a professora Sandra Cristina Müller, do Departamento de Ecologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o que existe da Mata Atlântica é algo remanescente e precioso. Dessa maneira, qualquer perda dessa cobertura é um prejuízo significativo de biodiversidade.
— A Mata Atlântica é muito fragmentada e a recuperação das áreas degradadas é importante para reconectar fragmentos para se manter o hábitat da fauna. É preciso fazer com que essas populações possam ter o mínimo de estabilidade em termos de genética. É importante que essas áreas estejam o mais conectadas possível — analisa.
Cada bacia hidrográfica tem que ter uma área mínima de vegetação nativa. Não só na beira do rio ou nas encostas; nas áreas mais altas e intermediárias também. É uma coisa estratégica
EDUARDO VÉLEZ MARTIN
Biólogo do MapBiomas
Nos casos de deslizamentos de terra, Sandra explica que é preciso parar a degradação do solo. Ela observa que não se deve simplesmente aguardar a regeneração natural da floresta, especialmente em áreas declivosas, onde voçorocas (valetas grandes) são criadas pela erosão. Dependendo da fragilidade do solo, essas valetas podem ganhar proporções enormes.
— São necessárias intervenções que possam auxiliar o sistema a se recuperar. Chamamos isso de restauração ecológica. Não buscamos construir o sistema do início ao fim, mas fazer ações que permitam a recuperação de uma forma mais acelerada — diz.
Na avaliação de Sandra, cada situação pode necessitar uma ação diferente, mas o foco deve ser parar a erosão naquele lugar.
— A semeadura parte da ideia de que estejam faltando sementes naquele local. Em muitas situações, isso não é realidade. Por exemplo, se abriu uma área de deslizamento no meio de uma área que era florestada. Essa floresta ao redor é cheia de sementes e muito provavelmente já estejam chegando novas sementes. Até que ponto vale a pena jogar sementes se o problema não é a falta de sementes, mas talvez a quantidade desse processo de erosão? Às vezes, tem que frear o processo — argumenta.
A professora chama atenção para dois fatores importantes quando o tema é recuperação de espaços onde ocorreram deslizamentos: realizar o diagnóstico e promover o acompanhamento da área, tanto por imagens como de forma presencial.
A Mata Atlântica é muito fragmentada e a recuperação das áreas degradadas é importante para reconectar fragmentos para se manter o hábitat da fauna
SANDRA CRISTINA MÜLLER
Professora do Departamento de Ecologia da UFRGS
Sandra dá um exemplo do que acontece em espaços danificados pela erosão:
— Temos muitas espécies invasoras no Estado que são hábeis em ocupar locais de áreas degradadas. Uma delas é a Uva-do-Japão, que, em situação de solo exposto e degradado, chega e toma conta. Pode dificultar a regeneração natural da floresta que havia antes. Ela acaba sendo dominante no local.
O biólogo Eduardo Vélez Martin, integrante do MapBiomas, está acostumado a detectar locais com desmatamentos no Bioma Pampa e na Mata Atlântica. O profissional traz para o debate a importância de expandir a vegetação nativa nas bacias existentes na Mata Atlântica.
— Acho importante entender o déficit de vegetação nativa. Essa vegetação tem o efeito de uma espécie de barreira natural para esse grande volume de água — ilustra. — Por que a água correu tão rápido? Porque falta vegetação nativa na paisagem. Não é na beira do rio, é lá em cima nas cabeceiras.
O biólogo salienta a necessidade de se ter vegetação nativa em áreas mais altas da Mata Atlântica, o que poderia auxiliar quando há deslizamentos nos morros:
— Cada bacia hidrográfica tem que ter uma área mínima de vegetação nativa. Não só na beira do rio ou nas encostas; nas áreas mais altas e intermediárias também. É uma coisa estratégica.
As sugestões am por atacar o processo erosivo e reflorestar toda a bacia hidrográfica.
— Temos que ter uma estratégia para tratar pelo menos as cicatrizes mais críticas, com indicações de voçorocas, e garantir essa rede de proteção na bacia — conclui.
A diferença de cerca de 500 hectares de perda de vegetação na Mata Atlântica do Rio Grande do Sul verificada pelo MapBiomas e pela Fundação SOS Mata se deve ao fato de que a primeira análise reporta o desmatamento na Mata Atlântica pelos mapas de biomas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), enquanto a segunda análise se pauta pelo Mapa de Vegetação Nativa na Área de Aplicação da Lei da Mata Atlântica, que tem algumas áreas de transição com o Pampa que ficam fora da Mata — portanto, abrangem um território um pouco maior.