O principal do prêmio foi que eles devem ter considerado muito a minha resistência e resiliência em 40 anos. Porque comecei a fazer a engenharia agronômica na metade da década de 1970. O Norman Borlaug estava no auge da Revolução Verde... Acho que era uma vocação desde criança, amava micro-organismos, achava que tinha espaço para os biológicos, mas ninguém achava que tinha espaço para o biológico. Achava que, biológico nunca ia ter espaço para uma agricultura grande, pujante. E eu falava que sim, e eu persisti nessa ideia. Não é fácil persistir em uma coisa que você acredita se não tem recursos, se não te levam a sério. Mas eu nunca desviei um centímetro daquilo que acreditava.

Como a sua pesquisa contribuiu para o desenvolvimento dos biológicos?
Hoje em dia as pessoas falam de ciência participativa, cidadã. Eu fiz toda a pesquisa com a soja, os agricultores ficaram usando os produtos, super felizes. Daí falaram: mas não temos só soja, temos milho, trigo, o que que você tem? Isso é ciência participativa, é o agricultor trazer os problemas, falar uma situação. Eu falei, olha, eu não tenho nada, mas eu vou procurar.  Temos um banco de germoplasma de micro-organismo fantástico, achei duas bactérias muito boas, que eram uma solução para o milho. Uma que tinha um pouco dessa contribuição do nitrogênio, e a outra produzia muito fitormônio, que aumentava as raízes de milho, trigo e, com isso, a planta absorvia mais água e nutrientes e até aproveitava melhor o fertilizante. Provamos que essas duas bactérias podiam ser usadas na agricultura e eram muito importantes. E oferecemos para o setor privado. Uma das indústrias se interessou em fazer uma parceria. Temos um produto comercial que é um sucesso, hoje está em quase 40% de toda a área cultivada com milho no verão, e quase 50% na de milho de inverno. 

E o que fez você apostar no biológicos lá atrás?
Era a vocação de criança que eu queria e não largava a mão, fui atrás de quem poderia me ajudar a levar o sonho adiante. Na Esalq/USP, em Piracicaba, achei uma professora que desenvolvia essa linha de pesquisa. Ela me orientou no meu mestrado. Era a doutora Johanna Döbereiner, uma cientista fantástica, que inclusive foi candidata a Nobel de Química, fez um trabalho fantástico com gramíneas. Fiz o doutorado, daí ela me contratou, me ensinou a fazer Ciência. Fui atrás daqueles poucos que acreditavam para poder seguir meu sonho. 

Qual o papel dos biológicos na agricultura de hoje?
A gente caminhava, caminhava e em 2020 teve um grande salto. Primeiro, foi o Plano Nacional de Bioinsumos. Aí veio a pandemia, que restringiu muito a circulação, começou a não chegar fertilizante no Brasil. E a guerra da Rússia e Ucrânia, importamos muito o fertilizante deles, então se criou aquele desespero do que íamos fazer. Mas sempre que tem um problema, existem janelas de oportunidade. Para nós, dos biológicos, foi uma super janela de oportunidade. Com a crise, vários agricultores resolveram arriscar. E viram que o que falávamos era verdade. Desde então, está um crescimento incrível. Está crescendo, mas ainda tem muito espaço para crescer, os biológicos não chegam a 15% em relação aos químicos. Acho que vai crescer muito nos próximos anos.

Há algum gargalo a ser vencido para esse crescimento?
De recursos humanos. É uma formação mais especializada, que demora mais tempo. Não se consegue formar uma pessoa rapidamente, e o mercado não demandava tanto. Houve uma explosão e não tem recursos humanos qualificados no mercado. Precisa de pessoas altamente qualificadas, porque tem problema de contaminação, do controle de qualidade, é totalmente diferente de uma indústria química.

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