"Sonic: O Filme" não vale sua corrida até o cinema
Dolittle padece do mesmo mal. A versão inicial de Gaghan foi considerada séria demais, o que se depreende daquilo que chegou às telas: temos um protagonista paralisado pelo luto, uma tentativa de assassinato da rainha inglesa, um esquilo que jura vingança ao ser alvejado por um jovem e relutante caçador. E temos, em meio a isso, a correria típica dos filmes à la parque de diversões, as piadas sobre peido, bafo e outros odores, as lições de meia-tigela sobre amizade e união.
Trata-se de um filme excêntrico como o sotaque empregado por Downey Jr. ao interpretar o personagem criado em 1920 pelo escritor inglês Hugh Lofting, e que havia sido vivido por Rex Harrison no musical de 1967 que concorreu ao Oscar de melhor filme e por Eddie Murphy nas comédias alopradas de 1998 e 2001. Os críticos britânicos definem como indistinguível (galês? escocês?) e quase ininteligível o tal sotaque. De fato, se não fossem as legendas, eu não teria entendido muitos dos diálogos que o doutor Dolittle trava com a curiosa fauna que habita sua mansão na Inglaterra do século 19.
Apesar de não ser longo e apesar do ritmo frenético, o filme pode ser uma maçada para os pais que acompanharem seus filhos. Os críticos dos EUA, do Canadá e do Reino Unido foram impiedosos: no site Metacritic, a nota é 26; no Rotten Tomatoes, apenas 15% das resenhas são favoráveis. Mas, por pelo menos um instante, é engraçado conhecer animais como Chee-Chee (voz de Rami Malek, o oscarizado Freddie Mercury de Bohemian Rhapsody, nas cópias legendadas), gorila com problemas de autoconfiança, Yoshi (John Cena), urso polar que morre de frio, e ratinhos que atuam como peças de um jogo de xadrez. Há, também, uma piada interna para nerds: Jip, o vira-lata intelectual de Dolittle, é dublado por Tom Holland – que, nos filmes da Marvel, interpreta o Homem-Aranha, o "pet" do Homem de Ferro encarnado por Downey Jr. O ator americano, por sua vez, não trouxe junto o carisma de Tony Stark – parece ser somente por imposição do roteiro que a bicharada se arregimenta como se fossem Vingadores peludos.
Na trama, Dolittle é forçado a abandonar a tristeza pela morte da esposa quando a rainha é envenenada. Se ela morrer, o veterinário e seus pacientes vitalícios serão despejados (não me pergunte bem o porquê). Portanto, ele se empenha em viajar de navio até uma ilha misteriosa em busca de uma planta lendária, o único antídoto. Na jornada, surgirão perigos como o vilão Blair Müdfly (um estridente Michael Sheen) e o transtornado tigre (voz de Ralph Fiennes) de um rei meio pirata, meio muçulmano, Rassouli (Antonio Banderas). Ah, como não poderia deixar de ser, depois da trilogia Como Treinar seu Dragão e do seriado Game of Thrones, haverá também um dragão. Sim, Dolittle recauchuta, sem muito brilho, situações e chistes que até as crianças já devem ter visto, em franquias tipo Piratas do Caribe e Shrek (deu um déjà vu danado quando o tigre se distrai do bote ao veterinário e a a caçar um reflexo de luz, tal qual aconteceu com o Gato de Botas na animação do ogro verde). E, como os filmes da Marvel popularizaram, guarda até uma cena pós-créditos – mas fraquinha, fraquinha, pois não traz nenhuma revelação desconcertante ou projeção para uma sequência. Aliás, macacos me mordam se houver um Dolittle 2.