Alan Moore: o início, o meio e o fim
Envolventes, as duas HQs lançam mão do suspense para conduzir essas reflexões, entrelaçando o drama pessoal às questões sociopolíticas. A trama de Sabrina parte do desaparecimento de uma jovem e sua investigação policial. Em Prof. Fall, o protagonista vira um detetive intrigado pela trajetória de um ex-mercenário que cometeu suicídio.
A propósito, em outra semelhança, o título das duas HQs não faz referência ao personagem principal. Sabrina é a moça desaparecida, mas o que Drnaso acompanha são as consequências para sua irmã, Sandra, seu namorado, Teddy, e um amigo dele, o militar Calvin, que acaba se tornando uma vítima do triunfo da mentira que marca nosso tempo. O Professor Fall é um misto de curandeiro e vidente africano procurado pelo burocrata Michel Morel, cada vez mais sufocado pelo desencanto com a civilização ocidental.
Por falar nisso, nos dois quadrinhos a queda das torres gêmeas ainda reverbera. Em Sabrina, Calvin e Teddy assistem a uma longa reportagem de TV sobre o Memorial e Museu do 11 de Setembro. Em Prof. Fall (queda, em inglês), Michel é obcecado pela imagem das vítimas que se jogaram das janelas do World Trade Center.
O americano Drnaso, 31 anos e autor da premiada Beverly (2016), e os ses Brun, 49, e Perreton (ambos ligados à cena musical de Lyon, na França) retratam o apetite voraz da sociedade pela tragédia, pelo ódio, pela espetacularização da violência e pelas teorias conspiratórias. Quase como um contraste ao peso e à complexidade do que discutem, adotam uma certa apatia, uma morosidade na caudalosa narrativa.
A diferença, crucial, é que toda a história de Prof. Fall é contada por Michel, um longo monólogo interior com bastante digressões e mesmo delírios; o texto de Sabrina se constrói exclusivamente por meio de diálogos e reproduções (fictícias) de reportagens, programas de rádio e mensagens em fóruns de internet. O primeiro quadrinho tem um narrador não confiável, embora absolutamente verossímil em sua mistura de frustração e sentimento de superioridade. Drnaso mostra como confiamos demais no que nos convém – ao entrar em surto, o namorado de Sabrina vira presa fácil para discursos falaciosos e intolerantes, tal e qual acontece com quem acredita na tese do "vírus chinês" ou com quem nega os riscos da pandemia.
Outro contraste é o artístico. Sabrina aposta no minimalismo dos traços, em uma paleta de cores suave (que ajuda a transmitir a sensação de letargia) e na multiplicação dos quadros – há páginas divididas em 24 quadrinhos por Nick Drnaso. Apesar de ter uma quantidade incalculável de palavras, não raro permite-se abrir mão delas para descrever cenas e sentimentos. Prof. Fall, ao contrário, quase nunca deixa a arte falar por si só. Não chega a ser um problema, porque o texto é muito rico e fluente. Ivan Brun investe em desenhos carregados e sinistros, realçados pelo tom amarronzado e pela capacidade de fantasiar concedida pelo protagonista, volta e meia atormentado por pesadelos.
Ao final, Sabrina e Prof. Fall voltam a se aproximar. Tão perseguido quanto Michel, Calvin também tem sonhos ruins, mas enfim os personagens encontram algum tipo de libertação.