Minha mãe sempre foi meu maior exemplo, uma mulher guerreira. Ela tinha um espírito empreendedor e me inspirou desde cedo. Com ela, aprendi a dar valor ao dinheiro e entender que nada vem fácil. No Ensino Médio, quando o bar do colégio (Protásio Alves, onde estudou) fechou, pensei: “Vou vender enroladinhos no recreio.” Acordava às 5h, ia correr, voltava, fritava os enroladinhos e ia para a escola. Aquilo foi a minha primeira empresa. Posso dizer que as dificuldades que enfrentei na periferia, junto ao exemplo da minha mãe, foi o que me tornou forte e fez eu querer ter as minhas próprias coisas. O esporte também me ensinou muito, me mostrou como ser resiliente e enfrentar as adversidades de cabeça erguida.
Como surgiu o Rap in Cena?
O Rap in Cena nasceu como um projeto dentro da New Island. Pensei: “Vamos fazer um evento só de rap.” Na época, o rap já tinha muitos fãs, mas ainda não era algo comercialmente explorado. Na primeira edição, New Island apresenta Rap in Cena, tivemos quatro atrações: Oriente, Start, Eltin e Filipe Ret. Levamos 2 mil pessoas só para curtir rap. Foi aí que percebi: “Isso tem potencial.” Na segunda edição, ainda em 2014, desvinculamos o Rap in Cena da New Island e trouxemos nomes como Racionais, Cartel MC’s e Da Guedes. Mas, por uma série de fatores que eu nem imaginava na época, tive muitos prejuízos nas duas edições. Tanto que acabamos ficando dois anos sem realizar o Rap in Cena.
E em algum momento tu pensou em desistir?
Milhares de vezes, mas sempre acreditei que, em algum momento, o movimento ia virar. Minha aposta era: “Quando o movimento virar, eu serei o pioneiro e estarei à frente disso.” E foi exatamente isso que aconteceu: o movimento virou, e eu estava lá, na linha de frente. Na época, a galera me chamava de louco. Diziam que era impossível fazer um evento com três palcos ou trazer atrações internacionais.
Não sente falta do teu lado artista?
Sinto muita, sim. Na época (em que estava no Nosense), era até engraçado: eu produzia o evento e ainda precisava subir no palco para fazer o show. Na hora do show, eu dizia: “Vou sumir por meia hora. Resolvam o que puderem, depois eu vejo.” Eu subia no palco com rádio e tudo. Às vezes, até errava a letra, porque minha cabeça estava na correria do evento.
Por que aposentou esse teu lado?
Deixei o lado artístico porque percebi que, nos bastidores, eu podia ajudar ainda mais pessoas. Recebi propostas para me mudar para São Paulo e produzir artistas por lá, mas escolhi permanecer no Rio Grande do Sul. Acredito que podemos transformar o Rio Grande do Sul em um polo cultural e artístico tão forte quanto Rio de Janeiro e São Paulo. Muitas vezes, outros Estados não enxergam a riqueza cultural que temos aqui, especialmente no hip hop e nas periferias. O Rap in Cena, hoje, trabalha para estar no mesmo nível dos grandes movimentos do Rio e São Paulo, provando que temos talento e capacidade.
Em 10 anos de Rap in Cena, qual foi pra ti o momento mais marcante?
O pós-pandemia. Em 2020, estávamos numa crescente, com o Rap in Cena estourado no Pepsi On Stage. Aí, fomos convidados pela primeira vez pelo Planeta Atlântida para um palco. O palco bombou. Estávamos prontos para lançar a próxima edição (do Rap in Cena), mas então veio a pandemia. Mesmo em meio às dificuldades, minha inquietação me levou a criar. Fizemos um evento online com apoio da Lei Aldir Blanc, lancei com Luka (Pumes) um gibi digital contando a história da Batalha da Aldeia, criamos o Rap in Games... Tudo para manter o Rap in Cena vivo durante a pandemia. Houve um momento na pandemia em que quase tive que buscar um emprego de carteira assinada. Foi com a ajuda da minha mãezinha que consegui atravessar essa fase difícil. Em 2022, quando voltamos, realizamos tudo o que eu sonhava e pelo qual muitos me chamavam de louco. Conseguimos atrair 15 mil pessoas por dia, marcando uma nova era para o Rap in Cena.
Qual o propósito do Rap in Cena?
O principal objetivo é ser uma ferramenta de transformação social. Acredito, por exemplo, no poder transformador do esporte, como aconteceu comigo aos 14 anos, quando o projeto social Interagir me afastou de um possível caminho do crime. É por isso que criamos a Vila Olímpica dentro do festival. Se hoje eu tenho um projeto que mobiliza milhares de pessoas (o Rap in Cena gera, direta e indiretamente, cerca de 6 mil empregos), é ali que eu consigo ajudar e resgatar novas vidas. São diversas ações, que vão desde a feira de multi-empreendedorismo até os ingressos que a gente distribui (em parceria com a prefeitura, foram entregues gratuitamente 6 mil ingressos para entidades culturais e projetos sociais). Um festival de cultura hip hop só faz sentido se envolver a periferia, que vive e respira esse movimento.
O que tu imagina para o futuro do Rap in Cena?
Quero manter as raízes no Rio Grande do Sul, mas minha ambição é expandir o festival para o Rio de Janeiro e São Paulo, algo que já estou planejando e articulando. Talvez não consiga realizar essa expansão até 2025, mas em 2026 ela é certa. Meu objetivo é consolidar o Rap in Cena como o maior festival de cultura hip hop do Brasil e, quem sabe, alcançar um dia a grandiosidade do Rock in Rio.
O que o Keni de hoje falaria para o Keni da infância?
Eu diria o que sempre falo: “Acredite nos seus sonhos e nunca desista.” Até a desistência desistiu, assistindo eu não desistir. Sempre que entro em novos ambientes, a primeira impressão é de preconceito, do tipo: “Qual é desse moleque?” Mas sei que, ao abrir a boca, a percepção muda. Isso sempre acontece com quem vem de onde eu vim. Por isso, temos que insistir e mostrar que é possível. Quando acreditamos em nós mesmos, tudo se torna possível. “Faz a desistência desistir.” Isso é o que eu diria ao Keni de antigamente.