Agricultor durante a adolescência em São José do Ouro, Melara entrara para a vida do crime no fim dos anos 70, em Caxias do Sul. Em 1985, tornou-se famoso ao matar dois agentes penitenciários para resgatar um comparsa. Protagonizou a primeira fuga da Penitenciária de Charqueadas, até então inexpugnável.
As proezas criminosas de Melara não pararam por aí. Foi o primeiro a conseguir organizar os criminosos nas prisões gaúchas, com a criação da facção Os Manos. E foi nessa condição que ele liderou o maior motim do Estado, que culminou com a invasão do Hotel Plaza São Rafael, em 1994.
Com o seu grupo mantendo a hegemonia nas prisões, Melara provocou uma rotina de mortes, revoltas e motins. Suas ações geraram reações como a entrega da istração do Presídio Central para a Brigada Militar, em 1995. Por tudo o que significou, Melara tornou-se emblemático dentro do sistema. Sua morte até hoje não foi desvendada. Mas ela foi decisiva para mudanças ocorridas a partir de então, inclusive para o crescimento do crime organizado, dentro e fora das prisões.
Quem matou?
O inquérito que apurou sua morte foi entregue à Justiça sem indiciados. Os três delegados que atuaram no caso alegaram duas dificuldades: o grande número de inimigos que o bandido colecionava e a lei do silêncio que impera no mundo do crime.
O delegado Juliano Ferreira, o último a investigar, disse que as suspeitas maiores ficaram sobre Paulo Márcio Duarte da Silva, o Maradona.
– Ele assumiu a facção com a morte de Melara – diz o delegado.
Mas a liderança de Maradona durou pouco. Segundo um líder atual, ele não teria correspondido às expectativas do grupo.
– O Maradona de um tempo para cá estava que nem o Melara. Queria tudo para ele, tudo que acontecia tinha que vir para a mão dele, ele estava enriquecendo nas costas de todo mundo e não estava ouvindo ninguém – disse.
O mesmo líder explica outras mudanças, como o fim da resistência à colaboração e a acordos com a istração da prisão, a aceitação da existência de grupos rivais dentro dos presídios e a divisão de poder na facção.
– A gente quer manter uma convivência tranquila com a Brigada, não quer mais guerra, não quer mais morte. Por isso, a gente decidiu, entre tantos, afastar o Maradona e tomar a liderança, e de certa forma, não é uma pessoa só que decide.
Quem não estava com ele era inimigo
Para os Manos na época de Melara, só existiam dois grupos entre os humanos: policiais e bandidos. Quem não estivesse com eles, era inimigo. Não itia também qualquer forma de colaboração com a istração prisional, bem como a existência de outras facções.
Na segunda metade dos anos 90, a direção do Presídio Central chamou um dos presos do Pavilhão C, Valmir Benini Pires, o Brasa, um assaltante condenado a 12 anos, e solicitou que, a partir de então, houvesse organização, disciplina, higiene, de acordo com as regras da casa. Sob a liderança de Valmir, surgiu então a facção Os Brasas, quase uma antítese de Os Manos, que eram hegemônicos no Pavilhão B, mesmo sem a presença de Melara, que havia sido transferido para a Pasc, em Charqueadas.
Além da forma de agir na prisão, as duas facções divergiam sobre a expectativa de vida futura dos criminosos. Para os Manos, seguindo o pensamento de Melara, estavam todos condenados ao crime e desta vida jamais se afastariam.
Empresas do crime
Hoje há uma nova realidade entre presos ligados a facções no Central, em um processo iniciado a partir da morte de Melara. Os líderes dos grupos comandam cada um sua galeria correspondente.
Os contatos com a guarda e com a istração são feitos pelos plantões de galeria. Com as facções dominando parte das galerias, o crime ou a lucrar, cobrando por quase tudo, inclusive comida e segurança, além das drogas.
– Os grupos aram a atuar como empresas. As cadeias aram a exercer, de dentro para fora, controle de áreas da cidade, ando a remeter dinheiro para a rua, pois antes só entrava – diz o juiz da Vara de Execuções Criminais Sidinei Brzuska.