Além da falta de oferta, ainda há os entraves da burocracia documental: o imóvel precisa se enquadrar nas exigências da Caixa, como ter Habite-se e nenhuma pendência tributária ou judicial. Desde o lançamento do site para que proprietários e imobiliárias ofertassem imóveis, 429 já foram rejeitados e apenas 251, contratados.
Até 12 de abril, 1.728 famílias haviam recebido imóvel comprado pelo governo federal pelo Compra Assistida.
Outro desafio que joga pessoas da fila do programa para a fila de espera por um imóvel novo, que ainda será construído no Minha Casa, Minha Vida Reconstrução, surge a partir das peculiaridades de cada família. Um dos maiores imes é deixar de viver em uma casa para se instalar em um prédio de apartamentos.
E não é apenas por "mania", como alguns podem pensar. A mudança envolve detalhes que pesam também no bolso, como é o caso de Rosa Terezinha.
— Eu ganho salário mínimo, não posso colocar um condomínio (taxa condominial) nas minhas costas, se não, não vou comer. Condomínio, água e luz vai todo salário. Está difícil, não tem casas. Em Porto Alegre, não tem. E, quando tem, é em lugar longe, perigoso. Meu desejo é ir para a praia, pegar em Tramandaí — explica.
Além de uma vida toda habitando casa, Rosa tem outras limitações diante da possibilidade de ganhar um apartamento.
— Tenho problema nos joelhos, não dá para pegar apartamento com escadas. Tu só consegue apartamento do terceiro andar para cima e sem elevador.
O secretário de Apoio à Reconstrução, Maneco Hassen, ite as dificuldades.
— Quase 100% de quem foi atingido vivia em casa, não apartamento. Tinham pátio, com animais de criação ou estimação. É uma nova realidade. Também tem quem vivia em área irregular, sem pagar IPTU, água e luz, muitas vezes. Agora, tem que ir para uma moradia regularizada, com todas essas taxas. É uma dificuldade, e a questão desses pagamentos acaba sendo empecilho para algumas pessoas — avalia Maneco.
No caso do Compra Assistida, quem estiver habilitado e não escolher um imóvel em até 60 dias, perde o direito e a a compor a fila dos que aguardam imóveis que estão sendo construídos por meio de outras iniciativas dos governos. Pela portaria que o criou, o programa tem 18 meses de validade. Será extinto em 5 de dezembro de 2025. Segundo Maneco, quem se habilitar até lá e escolher um imóvel dentro dos 60 dias, será beneficiado.
Com trauma do noticiário depois da enchente, Rosa não tem mais TV nem a sites de notícias. É abastecida de informações de utilidade pública por uma vizinha. E foi pelo grupo de WhatsApp criado por uma moradora para distribuir informações de benefícios pós-enchente que ela soube que estava contemplada no Compra Assistida. Nascida e criada na Ilha da Pintada, Rosa perdeu o apego pelo lugar.
— Se eu pudesse sair hoje da ilha, eu sairia, e olha que aqui tudo é parente e amigo, conhecidos. Mas isso, para mim, não importa mais. O que importa é uma casa onde eu me sinta bem, segura. Criei dois filhos sozinha e tudo que eu tinha eu consegui com o meu suor, não foi ganhando, não foi pegando auxílio de governo, nada — lamenta a aposentada.
Nessa enchente, eu perdi tudo. Não quero sentir essa sensação de novo, quero começar uma vida, me sentir segura. É só isso que espero do nosso governo.
ROSA TEREZINHA MACIEL MACEDO
Aposentada, 66 anos
Em meio à correria de famílias em busca de um laudo estrutural que possa ajudar a garantir uma moradia nova, a copeira Liane Patrícia Pires Rodrigues, 37 anos, enfrenta um drama: não tem casa para mostrar na vistoria.
A água que invadiu o bairro Navegantes, em Porto Alegre, comprometeu as paredes de madeira da morada que ela mantinha nos fundos da casa do pai e dos irmãos. No pátio, restaram tábuas apodrecidas.
Na terça-feira (13), Liane recebeu a visita de uma equipe do Demhab. Ela foi uma das pessoas que procuraram o órgão ao saber do anúncio de prazo final para fazer o pedido na Capital, estipulado para 30 de abril. Conforme a pasta, foram feitas 850 solicitações, sendo 700 nos últimos três dias de abril.
Sobre o motivo de só pedir a visita uma ano depois da enchente, Liane explicou:
— Eu achei que já estava cadastrada, inscrita. O Demhab tinha vindo aqui ano ado, mas só olhou a casa da frente. Daí, quando fui consultar agora, descobri que não estava inscrita e fiz o pedido.
Liane mora há 20 anos no local. Vivia na casa da frente com os pais e os irmãos. Em 2016, se instalou nos fundos. A água que tomou conta do local a partir do começo de maio estragou tudo que havia dentro. As tábuas das paredes apodreceram e tiveram de ser retiradas para evitar um acidente. Não sobrou nada, e Liane voltou a morar na casa do pai com a filha de nove anos.
Quando o engenheiro civil Rodrigo Fabiano Montemezzo começou a questionar sobre a disposição das peças da casa, Liane ficou nervosa. Não tinha nada para mostrar. Ele explicou da dificuldade desse tipo de situação perante a análise da Defesa Civil Nacional.
— É preciso ter comprovação do antes, de que havia uma casa ali. Quando a casa está totalmente destruída, fica mais difícil — comenta Montemezzo.
Mas no caso da copeira, surgiu esperança. Ela conseguiu recuperar imagens e juntou ao processo no Demhab. Em aproximadamente 70 dias, já deve ter resposta da Defesa Civil.
— Eu fico chateada, espero que dê certo. Quero comprar um guarda-roupas, tirar as roupas de caixas, arrumar as coisas da minha filha — desabafa Liane.