R$ 150.  

Cinco clínicas de exames e consultas, em conversas gravadas, confirmaram que a guia da prefeitura de Nova Hartz dá direito somente a um "desconto". A diferença tem de ser acertada pelo cidadão no balcão.  

Até mesmo pelo exame de sangue, nos casos sem urgência e emergência, é preciso pagar parcialmente. A informação, confirmada pela prefeitura, é de que a guia autorizativa do município assegura gratuidade de sete itens a serem testados por mês e 14 por ano. Depois disso, o paciente precisa pagar do próprio bolso. 

É vedada qualquer cobrança. Não há coparticipação. O SUS é início, meio e fim. Se entrou pelo SUS, seja pela atenção primária ou urgência e emergência, o paciente não pode ser cobrado.

INARA RUAS

Presidente do Conselho Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul

Somente a solicitação de exame de sangue de rotina de um idoso de mais de 80 anos continha 15 testes recomendados pelo médico. A requisição, também checada pela reportagem, recebeu o carimbo da SMS de "convênio". Isso significa que o paciente, vítima de insuficiência cardíaca, teve de pagar por oito tipos de análise sanguínea, enquanto o município custeou sete. 

— É vedada qualquer cobrança. Não há coparticipação. O SUS é início, meio e fim. Se entrou pelo SUS, seja pela atenção primária ou urgência e emergência, o paciente não pode ser cobrado — afirma Inara Ruas, presidente do Conselho Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul (CES-RS).


"Hipótese alguma pode haver ônus para a população"

Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que o SUS é "um dos maiores e mais complexos sistemas de saúde pública do mundo, abrangendo desde o simples atendimento para avaliação de pressão arterial, por meio da atenção primária, até o transplante de órgãos, garantindo o integral, universal e gratuito para toda a população". 

A lei do SUS prevê alternativas para os municípios que não conseguem oferecer todos os serviços e especialidades. Uma possibilidade autorizada é a participação complementar. Esse mecanismo permite a contratação dos serviços de saúde da iniciativa privada, preferencialmente junto às instituições sem fins lucrativos ou filantrópicas, para garantir atendimento amplo à população. A fonte de custeio é o orçamento público. 

"A gestão local pode organizar a prestação desse serviço com apoio de privados (hospitais e clínicas), desde que contratado pelo município pela inexistência na rede pública, e sem hipótese alguma ter ônus para a população", afirma o Ministério da Saúde.

Para atendimento com especialistas, o sistema de saúde é regionalizado. Isso significa que usuários de pequenos municípios podem ser atendidos em cidades de referência. Neste mecanismo, os gestores locais registram as necessidades dos pacientes no Sistema de Gerenciamento de Consultas (Gercon), da Secretaria Estadual de Saúde (SES). 

Pelas informações anotadas na ferramenta, o Gercon atribui uma classificação de gravidade ao paciente e organiza a fila de atendimentos com especialistas, também levando em consideração o critério cronológico. O Gercon tem 71 especialidades médicas cadastradas para o atendimento da população, incluindo o neurologista. As consultas ocorrem, atualmente, em 433 instituições de saúde distribuídas pelo Estado. Em 2023, foram feitas 1,1 milhão de consultas com especialistas pela regulação estadual do Gercon, sem contar as quatro cidades que têm gestões próprias do sistema — Porto Alegre, Canoas, Caxias do Sul e Pelotas. Em nota, a SES informou que os atendimentos via Gercon são gratuitos e que é "infração grave a cobrança de qualquer usuário". 

— Prejuízos como esse, em que o usuário teve que pagar por um serviço que deveria ser gratuito, podem ensejar o dever do poder público de ressarcir — afirma Ana Navarrete, coordenadora da Comissão Intersetorial de Saúde Suplementar do Conselho Nacional de Saúde.   

 

Contraponto

Jefferson Botega / Agencia RBS
Adrião da Silva afirma que assumiu a saúde municipal no dia 1º de maio. Ele diz ter encerrado a prática que gera custo ao usuário do SUS.

O secretário da Saúde de Nova Hartz, Adrião da Silva, diz que foi interrompida a prática de emitir guias de encaminhamento de pacientes do SUS para clínicas privadas em que teriam custos. Ele afirma que a paralisação foi determinada após a reportagem do Grupo de Investigação da RBS (GDI) ter ido ao município para localizar usuários prejudicados, no dia 20 de junho. 

Silva comenta que a prática era antiga em Nova Hartz e nunca foi vista como errada. Agora, diz que serão estudadas novas formas de atender ao cidadão. Ele declara que "sempre" partia dos pacientes a solicitação de encaminhamento aos prestadores de serviços privados

— As pessoas muitas vezes não querem optar pelo protocolo de espera do SUS. Por que que eles pagavam? Para ter um diagnóstico e tratamento mais rápido — justifica Silva.

As pessoas muitas vezes não querem optar pelo protocolo de espera do SUS. Por que que eles pagavam? Para ter um diagnóstico e tratamento mais rápido

ADRIÃO SILVA

Secretário de Saúde de Nova Hartz

O secretário destaca que, em alguns casos, a SMS de Nova Hartz paga integralmente por um procedimento indisponível na rede própria. 

— Nós temos uma assistente social da saúde. Dependendo da análise do caso, pode ter o pagamento integral do exame. Eu não digo que são todas as pessoas que vão ganhar. Existe um parecer social. Qual é o critério? Renda — diz Silva.

O secretário afirma que a SMS de Nova Hartz faz encaminhamentos contínuos de pacientes para a regulação estadual do SUS, incluindo o Gercon. Ele menciona que, em abril, a secretaria fez o transporte intermunicipal de 1.008 pessoas para a realização de consultas, reconsultas, exames e hemodiálise pela regulação estadual do SUS, sem custos

Sobre as clínicas privadas, confirmou que não havia contrato para a formalização dos convênios.

— Elas (clínicas) já vieram até o nosso município dizendo: "Olha, posso deixar aqui minha tabela de preço? Eu posso dar um desconto" — completa Silva. 

A reportagem contatou a Já Consultas, mas não houve resposta até a publicação.

Entre em contato com o GDI

Tem uma história que devemos ouvir ou sabe sobre alguma irregularidade? Entre em contato pelo e-mail [email protected] ou pelo WhatsApp (51) 99914-8529.

O que é preciso enviar?

Por favor, seja o mais específico possível. O que aconteceu e por que você acha que devemos acompanhar essa história? Documentos, áudios, vídeos, imagens e outras evidências podem ser enviados. A sua identidade não será publicada nas reportagens.

Qual é o foco das reportagens do GDI?

O GDI se dedica principalmente, mas não apenas, a verificar uso de dinheiro público, veracidade de declarações de autoridades e investigações em geral.


GZH faz parte do The Trust Project
Saiba Mais

RBS BRAND STUDIO