
Escrevo essa crônica escutando Jorge Drexler, que versa “Cada uno da lo que recibe/Luego recibe lo que da/Nada es más simple/No hay otra norma/Nada se pierde/Todo se transforma”, que expressa a batida da minha intenção ao começar a colocar as ideias em ordem.
Recordo o quanto adorava observar o processo de escrita de um amigo com quem trabalhei muitos anos, que começava uma matéria na disposição exata em que ela seria publicada, com cartola, título, linha de apoio, , crédito do fotógrafo e, finalmente, texto. Cansei de começar a escrever uma reportagem por uma frase de impacto que algum entrevistado disse (mesmo que ela fosse aparecer no meio da matéria) e, a partir dela, recontava a história. Em raras vezes, sabia como iria terminar antes mesmo de ter começado, por conta de alguma ideia latente que aparecia durante a entrevista.
Funciona assim também na vida. O final esperado pode até ser uma hipótese, mas não há garantias que ele vá acontecer tal qual desejamos. Não dá para reclamar no Procon. Nem sempre nossa energia e nosso empenho nos colocam aonde imaginaríamos estar, especialmente quando decisões não dependem só da gente. O segredo é, como diz outro amigo querido, “perceber que a felicidade em si está no caminho, nos instantes em que a gente torce para não terminar”. É a percepção de aproveitar o percurso, porque não temos como saber até quando seguiremos por ele — ou com as companhias que nos agradam pelo caminho.
Ouvi o relato de alguém que, sofrendo muito com as transformações do ano pandêmico, decidiu voltar-se à terra e plantar para combater a ansiedade, aceitando o tempo de crescimento da semente, que tem ritmo diferente das pessoas, especialmente daquelas que vivem em áreas urbanas. Foi a forma de tentar achar uma saída em meio ao caos e aceitar que, apesar de tudo, recebeu uma oportunidade de olhar quase que exclusivamente para si. E, por mais que a gente glamourize o autoconhecimento, há muita dor e desconforto nesse processo, cuja progressão é libertadora.
Talvez uma saída possa vir da analogia ótima ensinada pela minha mãe, que obviamente transcende a esfera da cozinha e pode ser aplicada para tudo nessa vida. Ela diz que antes de fazer um bolo, é preciso observar duas regras fundamentais: separar todos os ingredientes que serão utilizados e, mais importante, untar a forma com antecedência. Porque não adianta estar com a massa pronta e o forno preaquecido e ter que parar para procurar a forma, besuntar óleo, espalhar, colocar açúcar ou farinha, bater o excesso e só depois despejar a mistura que será assada. Não faz sentido e dificulta desnecessariamente a ação.
Se a gente não pode controlar tudo e não consegue prever o futuro, dá para tentar organizar o instante em que as ações estão sendo feitas, para termos a certeza e a tranquilidade de que nossa agem foi experimentada com toda intensidade, com dor, alegria, celebração, memórias, chegadas, partidas, impermanência e, com sorte, final feliz.