Em geral, Lula faz um ligeiro alongamento durante o banho de sol, quando fica guarnecido por cinco agentes. A vigilância é para evitar a exposição a fotografias durante o sobrevoo de drones. Há dois meses, um veículo de imprensa chegou a alugar um avião na tentativa de obter imagens do petista.
Além de ser uma preocupação pessoal de Lula — que não quer ser fotografado na prisão —, a proteção à intimidade do ex-presidente é quase obsessiva na PF, em cumprimento a ordem expressa do juiz Sergio Moro. Todos são proibidos de portar celulares enquanto estão com ele. As tardes de segunda-feira, das 16h às 17h, são reservadas às visitas de líderes religiosos — os freis Betto e Sérgio Görgen e pelo menos um padre, um pastor e um pai de santo já estiveram lá.
Os filhos e netos têm mais tempo: ficam das 9h30min às 12h e das 13h30min às 16h, toda quinta-feira. Uma vez, a família recebeu autorização para almoçar com ele.
É também neste dia que recebe amigos e políticos, das 16h às 17h.
A todos, Lula se mostra firme e bem-disposto. Reitera sua inocência e o desejo de concorrer novamente à Presidência e critica sem pudor o tratamento recebido no Judiciário, sobretudo no Supremo Tribunal Federal (STF). Até agora, seus advogados já ingressaram com 78 recursos no caso do triplex, a maioria sem êxito.
Na última terça-feira, Lula manifestou pessimismo pela primeira vez. “Já não há razões para acreditar que terei justiça”, escreveu em carta divulgada pelo PT.
Os dias do ex-presidente em Curitiba podem estar contados. É crescente na Justiça Federal do Paraná o sentimento de que Moro irá transferi-lo para São Paulo tão logo preste o último depoimento, em 11 de setembro, no processo do sítio de Atibaia (SP). Seria natural deixá-lo perto de casa, provavelmente na Superintendência da PF em São Paulo.
Eles chegam aos grupos. Portando bandeiras, faixas e cartazes, pedem liberdade ao presidiário mais ilustre do país. O lema é um só, gritado em uníssono e sempre com hora marcada: “Lula livre”. Há três meses, a Rua Barreto Coutinho, a uma quadra da Polícia Federal em Curitiba, transformou-se em centro da resistência petista.
Em abril, tão logo Lula foi preso, havia cerca de 500 simpatizantes acampados pelas calçadas, dormindo em barracas improvisadas e usando banheiros químicos. Hoje, raramente am de cem. Na maioria, militantes arregimentados por PT, CUT e MST. Os poucos que pernoitam ficam em uma casa alugada. Outros dois imóveis servem como refeitório e base da Mídia Ninja, que faz transmissões ao vivo pela internet.
— É importante que o mundo veja a gente gritando. É um processo político. E bater pé todo dia, gritar que queremos votar no presidente Lula. É o que o mantém saudável — afirma a professora Luana Rodrigues, 28 anos, formadora educacional do MST.
Na última terça-feira, Luana foi encarregada de um ritual sagrado para os militantes. Puxar o bom-dia ao ex-presidente. Pouco antes das 9h, os ativistas foram se aproximando. Havia um hippie de túnica colorida, boina, barba hirsuta e óculos redondos, uma índia de cocar, chocalho e tênis, sindicalistas vindos de São Bernardo do Campo (SP) e, em maior número, camponeses sem terra de boné vermelho e chinelos de dedo.
Ao som de violão e no como percussivo de batuques em galões de água, recitaram em jogral o poema Para os que Virão, de Thiago de Mello, entoaram palavras de ordem em portunhol – “el pueblo unido jamais será vencido” – e encerraram com o tradicional “bom dia, presidente Lula”.
Há o boa-tarde, às 14h30min, e o boa-noite, às 19h. Entre uma saudação e outra, ocorrem aulas públicas, discussões sobre política e apresentações culturais. Artistas engajados, como Ana Cañas, Chico César e Beth Carvalho, já fizeram pocket shows ali.
Tudo é muito organizado. Na esquina, uma banquinha vende por R$ 30 camisetas da Seleção com o nome de Lula e o número 13 às costas. Duas barracas centrais servem de despensa, cozinha, biblioteca e sala de coordenação. Desde 7 de abril, quem chefia as operações é Florisvaldo Souza, enviado de São Paulo pela executiva petista.
— A gente encontrou muita solidariedade aqui. Os vizinhos fazem doações, nos ajudam. E nós colaboramos. Limpamos o chão, há equipes de segurança. Mas não vamos embora. Se precisar, aremos os dias em pé aqui — sustenta Florisvaldo.
Toda a área está sob restrições de circulação, o que atinge também os moradores.
— Não tenho liberdade de estacionar em frente de casa. Entendo que estamos em uma democracia, mas cadê os meus direitos? — reclama a empresária Luciana Yates, que, por vezes, já se viu cantarolando as músicas dos ativistas, tamanha a frequência com que é submetida aos cânticos.