Em paralelo à tramitação no Legislativo, a proximidade da votação suscitou um embate entre as categorias profissionais, com diferentes interpretações da legislação federal que regulamenta a atuação dos técnicos.
Quem lidera a mobilização contra o projeto de lei complementar é a engenheira Nanci Walter, presidente do Crea-RS. O principal argumento da entidade é que os técnicos não têm a capacitação necessária para os PPCIs.
— O PPCI não é um simples formulário, ele reúne laudos muito complexos. Se o projeto ar, estaremos trazendo para a legislação profissionais que não estão habilitados para fazer esses projetos técnicos do PPCI — ressalta.
Nanci ite que, quando estavam ligados ao Crea, os técnicos emitiam as ARTs para os PPCIs, mas diz que faziam isso de maneira irregular. Segundo ela, a instituição "partia do princípio de que todos os profissionais utilizavam o sistema de acordo com sua capacitação".
— Estamos dispostos a dialogar mais sobre o projeto. Se não houver diálogo, o Crea vai buscar a judicialização, mas essa é a última coisa que queremos fazer — diz a engenheira.
Em contraponto, o presidente do Conselho Regional dos Técnicos Industriais do Rio Grande do Sul (CRT-RS), Ricardo Nerbas, diz que os profissionais têm competência para atuar na área e ressalta que a adição dos técnicos ampliará a concorrência na prestação desse tipo de serviço.
— Queremos o direito de atuar em pequenos serviços. No interior, em um clube, um boteco, um armazém que vende gás, por exemplo. Queremos fazer o que a lei nos permite — afirma.
Apesar de a votação estar prevista para esta terça, Nerbas diz que os técnicos desejam debater a proposta em uma audiência pública.
— Quando explicarmos nossas razões, a Assembleia vai aprovar esse projeto, porque ele é justo e é correto.
Na semana ada, o Crea-RS, o CAU-RS e outras sete entidades emitiram nota defendendo que o projeto de lei seja “rechaçado” pela sociedade gaúcha. Diretor do Sindicato dos Engenheiros do RS (Senge), uma das entidades que subscrevem o comunicado, o engenheiro João Leal Vivian afirma que a Lei Kiss seria fragilizada com a alteração.
— A Lei Kiss prevê medidas de segurança conectadas com a formação da engenharia e da arquitetura — explica.
Outro que discorda da alteração é o professor João Paulo Correia Rodrigues, da Universidade de Coimbra (Portugal). Referência internacional na área de prevenção e proteção contra incêndios, Rodrigues ressalta que a segurança contra os incêndios é uma matéria complexa, que demanda estudos de diferentes áreas das engenharias.
— São matérias que mesmo profissionais de nível superior precisam ter grande capacidade para absorver. Não me parece que um técnico de nível médio tenha formação de base para projeto de PPCI.
Comandante do Corpo de Bombeiros Militar do RS, o coronel Luiz Carlos Neves Júnior avalia que a Assembleia tem legitimidade para alterar a legislação, mas deve observar a competência técnica de cada profissional.
— O que deve ser observado é se a habilitação concedida corresponde à competência técnica, que é definida nas legislações federais — diz o coronel, sem entrar no mérito do projeto.
Desde a sanção, a Lei Kiss ou por ao menos duas modificações substanciais, feitas em 2014 e 2016. Relembre os principais pontos alterados:
Mudança de 2014: promoveu a liberação de licenças de funcionamento provisórias para edificações com baixo risco de incêndio antes da aprovação do PPCI, desde que o plano já tenha sido protocolado. Também foram definidos critérios diferenciados para estabelecimentos de grande, médio e pequeno porte.
Mudança de 2016: removeu a necessidade da emissão de Alvará de Prevenção e Proteção contra Incêndio (APPCI) para propriedades rurais, exceto silos e armazéns, e para empreendedores que usem sua residência sem atendimento ao público ou para estoque de materiais. Permitiu a emissão de certificado eletrônico de licenciamento para alguns imóveis de até 200 metros quadrados, de até dois pavimentos e grau de risco de incêndio baixo ou médio. Ampliou o prazo de validade dos alvarás e elevou de um para dois anos o prazo para inspeções em locais de reuniões de público, como auditórios e casas noturnas.