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  • Um ano antes, ele conhecera a brasileira Maria Lúcia Caldeira, apelidada de Marilu, quando ambos disputavam os Jogos Latino-Americanos de Cuba. Ela se destacou nas provas de atletismo na ilha, e os dois começaram um namoro, mantido por correspondência.

    O plano para Ondarse deixar o regime de Fidel Castro previa a fuga inicialmente para abril de 1963, nos Jogos Pan-Americanos de São Paulo. Marilu havia descoberto um refugiado cubano na capital paulista que ajudaria na missão. Só que Cuba acabou não participando do torneio e o plano precisou ser adiado.

    — As cartas que eles trocavam chegavam abertas, então a comunicação era toda feita por código — revela a filha do casal, Roberta Ondarse, hoje com 51 anos e morando em Estocolmo (Suécia).

    No dia 4 de setembro de 1963, às 17h, nem a vigilância de três agentes cubanos impediu que Ondarse e Marilu se afastassem do grupo da delegação que eava por Porto Alegre. Um carro esperava o cubano na esquina da Rua Doutor Flores com a Rua dos Andradas.

    A fuga teria sido cinematográfica. Uma ambulância partiu na frente do carro. Outro veículo foi logo atrás, pronto para trancar a rua se houvesse algum tipo de perseguição. O mais curioso é que Roberto Perez Ondarse chegou a pensar que era um ensaio, e a fuga não seria para valer.

    Estudantes brasileiros participaram do plano, entre eles o aluno de Medicina Eduardo De Rose, na época com 21 anos. Ondarse foi conduzido até o Aeroporto Salgado Filho. O cubano seria embarcado para São Paulo, com batina de padre para disfarçar. Como era interno do Hospital de Pronto Socorro (HPS), De Rose conseguiu a ambulância e também ficou responsável por achar uma batina, que obteve com os padres do Colégio Anchieta. 

    — Queria a ambulância para facilitar a saída rápida. Pedi ao diretor do HPS, e ele disse: "Só autorizo se eu for dirigindo". Ele veio junto — lembra o hoje médico aposentado, com 81 anos. 

    Reprodução / Divulgação
    Ondarse (último à direita ajoelhado) em foto pela equipe da Universidade de Havana em 1960

    Mas ocorreu algo inesperado. Naquele final de tarde, havia vigilância no aeroporto. Então, o carro rumou primeiro para um apartamento na Rua Washington Luiz, onde o atleta trocou o abrigo da seleção cubana pela batina. Em seguida, partiu para São Paulo de Fusca, em uma viagem de 22 horas.

    Antes da partida, o jornalista Joseph Zukauskas conseguiu uma entrevista, veiculada na Folha da Tarde e transmitida para o Exterior pela agência Associated Press (AP). Só havia uma condição: ele não poderia publicá-la antes de terem se ado 48 horas, tempo para o fugitivo chegar ao destino.

    Já em São Paulo, Ondarse ficou como clandestino até os agentes cubanos desistirem de procurá-lo. O casamento com Marilu ocorreu em 1966 e durou 12 anos.

    Foi um divisor de águas para a família. Se para a minha mãe o evento trouxe o amor, para o meu pai possibilitou a liberdade. E para as filhas, trouxe a vida.

    RENATA PEREZ

    filha de Roberto e Marilu

    O casal teve duas filhas. Depois, ele casou com outra mulher, Leandra Maria, e teve mais uma filha. Foi naturalizado brasileiro em 1972 e viveu na capital paulista.

    Por sua vez, Marilu precisou ser amparada por Ary Vidal, então diretor técnico da delegação brasileira. Todos queriam falar com ela durante a sequência da Universíade. Marilu chegou a ter o telefone de casa grampeado.

    Para a outra filha do casal, Renata Perez, 54, que vive em Orlando (EUA), a vida dos pais está eternamente vinculada à Universíade de 1963:

    — Foi um divisor de águas para a família. Se para a minha mãe o evento trouxe o amor, para o meu pai possibilitou a liberdade. E para as filhas, trouxe a vida.

    Ondarse faleceu em 2020, aos 82 anos, ao sofrer uma queda em Miami, onde vivia. Marilu, que morava em Estocolmo, morreu em 2022, em decorrência do mal de Alzheimer.

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