1. O cronomestrista do corpo é o seu marca-o circadiano, também conhecido como relógio biológico: um grupo de nervos chamado núcleo supraquiasmático, localizado no hipotálamo, logo acima da hipófise. Ele dá ordem a todos os ritmos biológicos do seu corpo.

2. Este temporizador é sincronizado principalmente pela luz solar, que o informa se é dia ou noite. De manhã, a luz do sol atravessa os globos oculares, percorre o nervo óptico e ativa este núcleo para recomeçar o ritmo circadiano (que compreende mais ou menos o período de 24 horas). Está sinalizado que é dia.

3. A partir da sincronização do temporizador, uma série de outros relógios começa a operar de forma encadeada. É como uma orquestra funcionando com vários instrumentos em sintonia. Por exemplo: de manhã ocorre a liberação do hormônio cortisol, e é por isso que você acorda. A temperatura do corpo sobe, a pressão corporal e o peso variam ao longo do dia, e hormônios, como o da fome e da saciedade, são liberados conforme esses relógios ordenam. Durante a tarde, a temperatura corporal diminui e se inicia novamente a preparação para dormir.

4. Quando está escuro, a intensidade de luz que chega aos nervos do núcleo supraquiasmático informa que é noite. Nessas condições, entra em ação a glândula pineal, responsável pela produção da melatonina, o hormônio do sono. E você dorme. Mas os relógios continuam funcionando, ordenando o funcionamento de todo o organismo (fazendo, por exemplo, com que você não sinta fome e não precise ir tantas vezes ao banheiro durante a noite). Quando amanhecer novamente, será desencadeada outra série de funções que ocorrem durante o dia.

Os prejuízos dos relógios desajustados

É na vida adulta (entre os 21 e os 65 anos) que se revela o verdadeiro relógio biológico de cada um. Antes disso, na infância, todos am por uma fase matutina (ainda que o Ensino Fundamental se dê praticamente todo no período da tarde). Na adolescência, o predomínio é do cronotipo vespertino (ainda que aulas do Ensino Médio geralmente ocorram de manhã). Após os 65 anos, os idosos queixam-se de distúrbios de sono, e não raro se torna necessário dormir um pouco de noite e mais um tanto de dia.

Ou seja, de um jeito ou de outro, é bem provável que todos em boa parte da vida enfrentando o cronodesajuste, como é chamada a dessincronizarão do relógio biológico em relação ao social. Isso se agrava ainda mais entre aqueles que trabalham no período noturno, os que não têm uma rotina fixa e os milhões de indivíduos que dormem tarde porque bloqueiam o sono (a produção de melatonina) com a luz azul, emitida por tablets e celulares.

– Serão felizes as pessoas que puderem respeitar o seu ritmo interno, que puderem dormir quando têm sono e ter todas as outras necessidades fisiológicas no horário em que o organismo disser "agora é meu horário". Só que, infelizmente, quase ninguém pode fazer isso, pois quem rege o nosso relógio é a sociedade – afirma Maria Paz Hidalgo, coordenadora do Laboratório de Cronobiologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

Se não seguir à risca o seu relógio interno, pode ser que você só não esteja aproveitando o seu rendimento máximo nas tarefas diárias – o que já é ruim, na avaliação do psicólogo Michael Breus, autor do livro O Poder do Quando. Mas pode ser que o seus os ponteiros internos estejam tão dessincronizados que tragam uma ação devastadora para o seu bem-estar físico, mental e emocional. Quem sofre mais, neste caso, são os "lobos" e os "golfinhos", ou seja, os de cronotipo vespertino e os de perfis extremos, que dificilmente se adaptam aos horários da sociedade.

– Uma pessoa vespertina, por exemplo, pode ter vontade de dormir somente a partir das 2h, porque é quando a melatonina dela é liberada. Ela vai para cama neste horário e, consequentemente, irá dormir até mais tarde. Até aí, tudo bem. O problema é se ela tem de trabalhar todos os dias às 7h. É aí que está o desajuste, que pode trazer muita dificuldade para a vida dela – avalia Claudia Moreno, pesquisadora da USP.

A regra número 1 do relógio biológico

Se adaptar o horário de trabalho ao próprio relógio biológico não for possível – uma opção nada simples em tempos de pouca de oferta de emprego – o recomendado é uma rotina que vale para todos os cronotipos: ficar exposto à luz solar o máximo possível durante a manhã. Ao voltar para casa, no fim do dia, evitar o excesso de luz e o uso de equipamentos eletrônicos. Não se alimentar tarde demais, não praticar exercícios físicos antes de dormir, não acordar em horários diferentes no fim de semana. É preciso manter uma rotina. E, acima de tudo, lembre-se: a regra número 1 do relógio biológico são as boas horas de sono. Sem elas, todas as demais funções serão arrastadas ao longo do dia no como errado.

– Pelo menos 30% das crianças e adolescentes têm distúrbios de sono, e eles podem ser muito mais danosos nestas fases da vida, que são as de desenvolvimento. É fundamental aprender a dormir desde cedo. E os pais têm de ajudar, sabendo que o sono deles não é o mesmo do dos filhos, que não está certo deixá-los dormir no sofá da sala, em frente à TV. As crianças têm de ter o quarto delas, onde devem se preparar para dormir, com uma luz fraca, a leitura de um livro e, definitivamente, longe dos equipamentos eletrônicos – recomenda Felipe Kalil, neurologista infantil do Hospital São Lucas, em Porto Alegre.

– Quando adultos, levantamos cedo porque temos de fazer exercícios físicos, levar os filhos para a escola, assistir às notícias, ler todos os e-mails. E só dormimos quando sobrar tempo. Preocupados com a boa forma, procuramos um personal trainer.

De olho na dieta, consultamos uma nutricionista. Está correto. Mas e o sono? Dificilmente alguém tem a mesma preocupação com as horas dormidas – complementa o neurologista Geraldo Rizzo, coordenador do Centro de Distúrbios do Sono do Hospital Moinhos de Vento.


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