Quatro anos depois do primeiro disco, Sulimar Rass reaparece com Canções Inerentes, musicalmente bem superior — e o primeiro já era bom. “Este álbum não é o resultado final de um projeto, é a sequência de um processo de crescimento, mais um degrau do que está por vir”, escreve, no encarte.
Pedritense radicado desde 1993 em Pelotas, onde istra há anos uma respeitada escola de música e uma produtora cultural, Sulimar tem formação eclética, que vai da música nativista (começou tocando em grupos de baile e em festivais) à erudita (formou-se na UFPel), ando pelo rock, a música latina e a MPB. Seu instrumento, forjado em muito estudo, é o violão — no disco também toca guitarra.
Produzido e arranjado pelo músico paulista Edu Martins, que ainda faz todos os contrabaixos, Canções Inerentes foi gravado em Buenos Aires e em Porto Alegre e tem instrumentação enxuta, completada com o piano de Luiz Mauro Filho, a bateria e percussão do argentino Mariano Tiki Cantero.
Sulimar é um cantador sensível e convincente, na tradição de contadores de histórias como Bob Dylan e Belchior. Além de melodista fluente, já se situa entre os melhores letristas do Rio Grande, como mostra em Décimas para um Excelente Compositor, por exemplo. Ritmos variados: Fome de Versos tem ares de milonga, Canções Canções é jazzy, As Mãos do Mundo é uma balada folk e De Novo Outra Vez uma cúmbia.
Mais uma vez conto com a ajuda de Millôr Fernandes: “Nem tudo está perdido; algumas coisas ainda nem foram achadas”. Então, prepare-se para um disco surpreendente. Projeto 1 é um trio formado no início de 2019 no Rio de Janeiro pelo compositor e violonista Edu Aguiar (dois álbuns lançados com o grupo Filhos de Platão), o percussionista Mingo Araújo (tocou com todos os grandes da MPB e com Paul Simon) e a estreante cantora Camila Matoso (revelada em 2016 no The Voice Brasil).
Ao lado de convidados como os violonistas Carlos Martau e André Siqueira e os cantores Zélia Duncan e Geraldo Azevedo, no álbum Entropia o trio chega a um resultado forte, belo e novo. Os arranjos emolduram a voz colorida e aconchegante de Camila. Em vários momentos me peguei emocionado com a harmoniosa energia das canções de Edu e letras de parceiros como Luiz Tatit, Carlos Rennó, Suely Mesquita, Bráulio Tavares. Embora tenha um quase reggae e uma canção platina em espanhol, no geral é MPB do tipo clássica.
Uma frase da letra de Mundo Insano pode sintetizar o espírito do álbum: “Hoje viver é não ter mais certeza da existência da delicadeza”. Apesar disso, o alto astral impera.
Lançado em 1966 com oito parcerias de Baden Powell e Vinicius de Moraes, o disco Os Afro-Sambas surgiu na sequência da explosão bossa-novista, abrindo caminho para o que logo em seguida seria chamado de MPB. As canções nasceram inspiradas na iração da dupla pelos sambas-de-roda e os ritos do candomblé baiano. Quase 55 anos depois, os também cariocas Alexandre Caldi (flauta, sax soprano, sax barítono) e Itamar Assiere (piano), ambos com larga folha de serviços prestados à música brasileira, resolvem visitar o Afro-Sambas mas de forma instrumental.
E temos este álbum extraordinário, com as oito músicas daquele disco histórico, mais três que também poderiam estar lá. Para abri-lo, escolheram o mais conhecido da série, gravado por muitos intérpretes, Canto de Ossanha. Depois vêm Canto do Caboclo, Pedra Preta, Tristeza e Solidão, Tempo de Amor, Canto de Iemanjá, Canto de Xangô, Samba Novo e Lamento de Exu.
As três extras: Consolação (clássico da bossa), Bocochê (uma das primeiras parcerias da dupla) e, só de Baden, Samba Novo. Caldi e Assiere escreveram todos os arranjos, exceto o de Consolação, original de Luiz Eça. Um must!