Já naquele primeiro LP o gênio aparecia inteiro, com essas citadas menos a proibida, mais A Rita (letra absolutamente perfeita), Tem Mais Samba, Você Não Ouviu, Madalena Foi pro Mar, Olé Olá. Só clássicos. Mais Sonho de um Carnaval, Meu Refrão, Amanhã Ninguém Sabe... Em Chico Buarque de Hollanda Volume 2, outro leque extraordinário: Noite dos Mascarados, Um Chorinho ("Quem me dera ter um choro de alto porte/ Pra cantar com a voz bem forte/ E anunciar a luz do dia/ Mas quem sou eu pra cantar alto assim na praça/ Se vem dia, dia a/ E a praça fica mais vazia"), Morena dos Olhos d'Água, Quem te Viu, Quem te Vê, a profética A Televisão ("O homem da rua/ Com seu tamborim calado/ Já pode esperar sentado/ Um batuque diferente/ Que vem lá da televisão").
Este segundo volume tem dois símbolos: a tristíssima Realejo, espécie de anti-A Banda, e a primeira canção de ótica feminina, Com Açúcar, com Afeto, na voz dulcíssima de Jane Morais. Na capa de Chico Buarque de Hollanda Volume 3, ele está sério e não olha para a câmera. O Brasil crispava-se cada vez mais pela ditadura e isso é traduzido na áspera Roda-Viva, com o vocal veemente do MPB-4, e em Funeral de um Lavrador, sobre poema de João Cabral, "Esta cova em que estás/ Com palmos medida/ É a terra que querias/ Ver dividida". O desalento está ainda em Ela Desatinou e na melancólica modinha Até Pensei. Mas ele preserva o lirismo em Carolina e na espetacular Retrato em Branco e Preto, que inaugura a parceria com Tom Jobim.
É emocionante ouvir o gênio de Chico nascendo e pensar no que ele significa para a cultura brasileira, um mito vivo e simples, sem afetações, um artista e um homem de integridade à toda prova. Um músico excepcional e um símbolo da luta pela democracia.