Sou realista, mas guardo traços da síndrome de Pollyana. Reconheço minhas fragilidades. Essa síndrome remete à personagem criada pela escritora norte-americana Eleanor Porter, que praticava o “jogo do contente”: encontrar algo pelo qual agradecer, mesmo nas piores circunstâncias.
Embora seu exemplo, muitas vezes, seja usado de forma crítica para apontar a negação da realidade, a síndrome de Pollyanna pode ser um antídoto contra desencantados crônicos, como os que sofrem da “síndrome do fim do mundo”.
Como viver com lucidez em um mundo cheio de incertezas sem cair no desespero ou na negação? Como perceber sutilezas, ironias, contradições para escapar do engano e do fanatismo?
As falsas profecias sobre o fim do mundo são um fenômeno recorrente, e aparecem tanto na história real quanto na literatura e na cultura popular. Sorte nossa termos a arte para iluminar o que está escondido.
Dizem que os escritores são profetas. Mas não no sentido religioso ou sobrenatural. Escritores são profetas da sensibilidade, da escuta, da linguagem. São o espírito do tempo. Muitos escritores conseguem perceber e expressar dores e movimentos sutis da sociedade antes que eles se tornem visíveis para o senso comum.
Escritores são como espelhos, refletindo quem somos e as fissuras que tentamos esconder. Eles se recusam à anestesia coletiva, pois sabem que, quando uma sociedade deixa de sentir, é porque também deixou de reagir.
Por isso, quando a ansiedade apocalíptica, o pessimismo radical e desesperança; quando um luto antecipado — pela civilização ou pela própria vida — parecer inevitável, lembre-se daqueles que transformam o caos em sentido: seus escritores favoritos.
Escritores inventam mundos e desvendam o invisível. Através de seus textos, expõem os mecanismos de poder por trás de discursos alarmistas, mostrando como o medo do fim é transformado em ferramenta de controle.
Entre a força da sobrevivência e o abismo da alienação, escolho a consciência. Sei que a Pollyanna que mora em mim — com seu otimismo teimoso — precisa manter-se viva, não para negar a escuridão, mas para que eu continue a sentir e a importar-me, mesmo sem a ingenuidade de quem desconhece o peso do mundo.