
Tive a oportunidade de perguntar ao ex-presidente Jair Bolsonaro, no fim do ano ado, sobre as reuniões que planejavam um golpe no Brasil após as eleições de 2022. O plano, embora agora rechaçado por ele, existiu. Nesta entrevista à Gaúcha, questionei se os comandantes da Aeronáutica e do Exército tinham mentido quando afirmaram que ouviram sobre o tema em reuniões. Bolsonaro respondeu confirmando que houve conversa de hipóteses sobre GLO, dentro do que chama de quatro linhas. Ele falou, com todas as letras, que isso aconteceu.
Alguns dirão que a Garantia da Lei e da Ordem está na Constituição, e estão corretos. Porém, para haver essa discussão, é necessário ter uma justificativa. Qual era o motivo para achar que o governo daquele momento deveria apelar para isso, o ex-presidente não soube responder.
Puxei essa memória após, nesta semana, o tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior, que comandou a Aeronáutica na gestão presidencial ada, prestar depoimento à Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal. Ele foi claro e categórico ao dizer que houve, sim, conversas dentro do governo e entre militares sobre a possibilidade de golpe.
Detalhou que Bolsonaro foi alertado que o golpe seria um crime e que poderia inclusive ser preso. Ainda contou que havia um documento, chamado depois de minuta golpista, que previa que o presidente eleito não tomaria posse em janeiro.
O que esse novo depoimento revela não é algo inédito para quem acompanhou os movimentos de bastidores nos meses após a eleição de 2022. Ao mesmo tempo é avassalador pela confirmação, a partir de um nome com credibilidade e reconhecimento, que se discutiu seriamente romper com o processo democrático brasileiro.
Fala-se muito sobre a força da democracia, mas na nossa, a brasileira, podemos chamar de resistente, ou de resiliente. Não se pode flertar com a censura ou com uma intervenção quando sabidamente não há justificativas senão apenas não concordar com o processo eleitoral. É estarrecedor ainda saber que, mesmo diante de alertas, a ideia seguiu viva entre aliados, militares da reserva, empresários e figuras públicas que apostavam em uma ruptura. E, claro, muitos simpatizantes que foram manipulados e usados nesse processo.
Não houve conversas hipotéticas, mas sim reunião com chefes das forças armadas, minuta, esboço de prisão de ministros do Supremo. A democracia brasileira precisa ser cultivada mesmo em meio a ideias tresloucadas. Que bom que os comandantes do Exército e Aeronáutica resistiram, enquanto o da Marinha queria embarcar nessa furada. Que bom que a maioria da população estava atenta, assim como a imprensa livre. A democracia precisa resistir a partir da verdade que vem à tona, linha por linha, por mais tortas que elas sejam.