
Durante o dia, dividem o mesmo ambiente. À noite, cada um no seu quarto. Essa é a realidade de casais que vivem juntos, mas dormem em camas separadas. Conhecida popularmente como divórcio do sono, a prática é uma opção para quem sofre com os hábitos noturnos e as questões de saúde dos parceiros, como o costume de dormir de luz acesa ou o ronco intenso.
Uma pesquisa global encomendada pela ResMed em 2025, que entrevistou mais de 30 mil pessoas em 13 países, apontou que 32% dos participantes sentem que roncos, respiração alta ou falta de ar são os principais motivos pelos quais o parceiro interrompe o sono. Inquietação e ir para a cama ou acordar em horários diferentes também foram citados como problemas.
— Às vezes as pessoas têm turnos de trabalho diferentes, um sai muito cedo, o outro chega muito tarde, e aí acabam optando por quartos separados para não prejudicar o sono do outro. A gente costuma brincar que existe a dupla do insucesso: um que ronca e o outro que tem insônia devido ao ronco do parceiro — avalia o presidente da regional Rio Grande do Sul da Associação Brasileira do Sono (ABS), Tiago Teixeira Simon.
Para a produtora de conteúdo Tayse Maris, 30 anos, que está há dois anos em um relacionamento, a decisão surgiu por dois motivos: as rotinas não batiam e, além disso, elas optaram abrir a relação (são não-monogâmicas).
— Ela é do dia, eu sou da noite. Ela é muito organizada, eu sou um pouco bagunceira. Então, a gente tinha algumas discussões por conta da rotina. Ela precisa acordar cedo para trabalhar, queria levantar e arrumar a cama e eu ainda estava dormindo — relata.
Em países como Índia, China e Coreia do Sul, mais de 65% dos entrevistados pela pesquisa da ResMed relataram dormir longe dos parceiros. Simon conta que, no consultório, recebe alguns pacientes que tomaram essa decisão conscientemente e outros que aceitaram a escolha dos parceiros que não querem que esses problemas atrapalhem o sono:
— O que a gente vê é que, muitas vezes, os pacientes chegam no consultório já com essa prática. Mas não é algo consensual. A pessoa não sai do quarto porque ela quer, sai porque não aguenta o barulho do ronco, por exemplo. E aí vai buscar ajuda porque quer a companhia de volta.
Dormir com o parceiro oferece uma série de benefícios para a saúde física, mental e emocional. O especialista reforça, porém, que quando um impossibilita o outro de ter um sono de qualidade, os efeitos negativos também poderão ser sentidos.
Cansaço, falta de concentração, problemas cardíacos, obesidade, alteração de humor e depressão são algumas das consequências que podem ser percebidas a curto, médio e longo prazo.
Saúde do relacionamento
Outra variável que deve ser considerada nessa equação é a saúde do relacionamento. Para Simon, o sono interrompido pode, aos poucos, desgastar a relação.

A psicóloga especialista em terapia de casais Agda Ferreira pontua que uma noite de descanso revigorante e a individualidade podem ser importantes para o casal.
— Podemos entender que ter uma necessidade biológica diferente do outro e respeitar isso não tem nada a ver com amor, mas sim com uma coisa prática: dormir e acordar bem. A pessoa acorda melhor, fica com saudade. Pode ter uma relação sexual e depois cada um vai para o seu quarto. É uma dinâmica nova que precisamos trabalhar — acrescenta.
No consultório, Agda percebe que a prática é mais comum entre os casais mais velhos, que priorizam ainda mais o sono de qualidade. Nas redes sociais, influenciadores, como a Tayse, Lela Brandão e casais mais jovens, relatam que também são adeptos da dinâmica de quartos separados.
— Eu acho que um dos benefícios que isso trouxe foi muito a individualidade. Quando a gente está em um relacionamento, acaba que a gente se perde um pouco da vida, da dimensão no mundo do parceiro. E quando a gente se vê tendo o próprio quarto, criando a própria dinâmica, a gente começa a descobrir um pouco mais sobre a gente — defende Tayse.
Para a psicóloga especialista em terapia de casais, o assunto carrega um peso menor entre as novas gerações:
— Eles têm menos preconceito. São pessoas mais abertas, que entendem que o querer estar junto é porque quer. Ninguém mais casa porque é obrigado. Eles sabem que o amor é muito mais do que dormir junto e que a intimidade, a parceria, não está só nisso. Os casais mais velhos que têm aquela ideia das princesas, do "felizes para sempre". Se casou, não pode separar, tem que viver e dormir junto, aguentar tudo um do outro. Mas dá para configurar de outra forma.

Conversar é essencial
Para os casais que não querem aderir à prática, o presidente da regional gaúcha da ABS garante que é importante diagnosticar e tratar a causa dos problemas de saúde, como o ronco, a inquietação ou a insônia, por exemplo. Caso contrário, Simon acredita que será como colocar o problema embaixo do tapete.
— Se o caso for o ronco, a apneia, a pessoa tem que fazer exames e pode tratar com reeducação postural, colocando um aparelhinho na boca ou fazendo exercício físico para melhorar a via aérea. Quando a pessoa tem dificuldade de dormir por causa disso, o ideal é que o roncador fosse deitar depois. Tampão de ouvido pode ser uma solução, ou colocar um som no quarto — sugere o médico.
Já para os casais que optaram pelo divórcio do sono por outros motivos — gostam de temperaturas diferentes na hora de dormir ou preferem adormecer com barulhos, por exemplo — e para os que querem testar a alternativa, o principal conselho é conversar sobre o assunto. Simon e Agda reforçam que a comunicação honesta é a principal aliada neste processo de tomada de decisão.
— Tem que conversar e testar. Primeiro, um dia por semana, dormindo separados, depois dois. O importante é aceitar as mudanças da vida. Se um casal viveu 15 anos dormindo juntos e agora quer priorizar o sono e fazer assim, ok. Se bater a saudade de dormir juntos ou o frio do inverno apertar, ok também. É importante sentir e ser sincero — recomenda a psicóloga.